Tuesday, March 20, 2007

Outros mais fortes que nós


Esta é uma cópia de uma notícia do Publico. Para que percistam na memória exemplos de coragem como este, aqui fica a cópia:

"De vítima submissa a "heroína" militante
20.03.2007, Sofia Branco

Condenada a uma violação colectiva pela justiça tribal, Mukhtaran Bibi transformou o sofrimento em força. Hoje, dirige uma escola para meninas, porque "a solução passa pela educação". Ontem, recebeu o Prémio Norte-Sul do Conselho da Europa
a quando, a 22 de junho de 2002, a "lei" tribal a condenou a uma violação colectiva por um crime que o seu irmão mais novo tinha alegadamente cometido, mukhtaran bibi podia ter seguido o mesmo destino de outras tantas mulheres assim desonradas: o suicídio. em vez disso, fez do sofrimento força. esta "heroína", como lhe chamou o secretário-geral do conselho da europa, terry davis, recebeu ontem o prémio norte-sul, na assembleia da república, em lisboa.

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Há duas categorias de seres humanos: os que se limitam a viver e os que vivem ao serviço do bem--estar dos outros. mukhtaran bibi pertence à "segunda categoria", à dos que "honram a humanidade". claude frey, presidente do conselho executivo do centro norte-sul do conselho da europa, apresentaria assim a activista paquistanesa, que, juntamente com o padre holandês francisco van der hoff, recebeu o galardão que tem distinguido os defensores dos direitos humanos desde 1995.apoiando o trabalho de mukhtaran bibi em prol do "direito universal do acesso ao ensino e à educação", o presidente da república, cavaco silva, que aprovou a implantação em lisboa do centro norte-sul quando era primeiro-ministro, diria mais tarde que o seu "exemplo" prova como "é possível fazer a diferença", renascer da "adversidade" para optar pelo caminho da "infatigável militância".da aldeia para o mundomas recuemos ao dia em que a vida de mukhtaran bibi mudou para sempre. shakkur tinha 12 anos quando os mastois o acusaram de ter namoriscado a filha adulta do líder desta tribo de poderosos agricultores e guerreiros. em meerwala, uma aldeia na província do penjabe, tal "desonra" obriga a um pedido de perdão. esse perdão cabe invariavelmente às mulheres - as mesmas que não são tidas nem achadas quando se trata de aplicar a justiça tribal.mukhtaran bibi, irmã mais velha de shakkur, foi a escolhida para se prostrar diante dos "ofendidos", sob os seus canos de espingarda e os seus olhares de ódio. mas a jirga - conselho da aldeia -, dominada pelos mastois, queria mais do que uma cabeça baixa.


e mukhtaran bibi acabaria por ser condenada a ser violada por quatro homens mastois. deixou de comer e de dormir, viveu alguns dias em reclusão, entre as paredes do seu quarto. "vou engolir ácido e morrer, para apagar definitivamente o fogo da vergonha que pende sobre mim e a minha família", pensou.depois veio o choro e, com ele, a coragem. foi à polícia e relatou o que lhe tinham feito. havia jornalistas presentes e a história espalhou-se, mudando o curso da sua vida. tentaram demovê-la de apresentar queixa. foi pressionada para alterar a sua versão dos acontecimentos. foi ameaçada. chegaram a retirar-lhe o visto, impedindo-a de viajar para o estrangeiro, alegando que o seu relato dava "má imagem" do paquistão. o passo estava dado.


"mesmo que tivesse de morrer, não morreria humilhada", conta mukhtaran bibi, no livro desonrada (ed. livros do brasil).o seu caso - com grande eco na imprensa nacional e estrangeira - chegaria aos tribunais oficiais. a decisão da primeira instância condenou à morte os violadores, mas estes recorreram. o tribunal de recurso viria a atenuar a pena e a libertar quase todos. mukhtaran bibi apelou para o supremo e conseguiu que o estado paquistanês lhe desse protecção e voltasse a deter os criminosos enquanto não se conhece a decisão final, que tarda em chegar.educar para mudarquando o governo paquistanês soube da história de mukhtaran bibi, ofereceu-lhe um cheque como indemnização. ela devolveu-o e pediu que, em vez de dinheiro, lhe dessem uma escola. ela, que nunca estudou, que apenas comunicava em dialecto local, que só agora aprende a ler e a escrever, pediu uma escola para as meninas da sua aldeia, por costume impedidas de estudar. "para saberem os seus direitos", justifica, em conversa com o público, em lisboa. direitos que ela própria desconhecia antes de 22 de junho de 2002.


ela sabe o que lhe custou ter de colocar o polegar nas folhas em branco que a polícia a instruiu a assinar, sem que ela soubesse o que lá estava escrito.hoje, aquela a quem chamam carinhosamente mukhtar mai - "a grande irmã respeitada" - dirige três escolas, com 13 professores, que ensinam gratuitamente mil crianças desfavorecidas. crianças de ambos os sexos, pois que sentido faria educar as meninas sem alterar o ensino dos meninos? é certo que os sexos ainda se separam nas aulas de inglês, urdu, ciências ou matemática, mas interagem "de 15 em 15 dias", realça, orgulhosa. "os rapazes aprendem a respeitar as mulheres e os direitos humanos", afirma.mukhtaran bibi não pode esquecer o que lhe aconteceu e ainda espera pela "lenta justiça", mas não transformou "a tragédia" em rancor. prova disso é ter acolhido, na sua escola, os filhos dos seus violadores. "vou ensiná-los a não fazerem o mesmo [que os pais lhe fizeram] quando crescerem."



aquele acto de violência de 22 de junho de 2002 fê-la pensar na vida que levava, aperceber-se de que vivera em "submissão absoluta". e de que havia outra lei para além da justiça tribal, que sempre lhe pareceu tão contrária à paz do alcorão que ela lia de cor às crianças da aldeia. hoje, sabe que "a jirga é ilegal" e que o seu caso contribuiu para lhe retirar legitimidade.símbolo de milhares de mulheres condenadas a mutilações e violações por "crimes de honra" que raramente são julgados e muito menos punidos, é de meerwala que mukhtaran bibi fala para o mundo inteiro. sempre recusou pedir asilo, porque "o crime não foi ordenado pelo paquistão". "não tenho qualquer intenção de deixar a minha aldeia, a minha casa, a minha família e a minha escola." face às críticas de que contribui para uma "má imagem" do seu país, responde: "a verdadeira pergunta que o meu país deve fazer é a seguinte: se a mulher é a honra do homem, por que deseja ele violar ou matar essa honra?"mukhtar mai women welfare organization

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