"Não me digas que és uma dessas..."
Disse-me ele quando lhe agradeci mas recusei que me levasse a palete com as 6 garrafas de litro e meio de água, quando eu tinha o portátil e a minha mítica carteira de 4kgs no outro ombro.
"Uma dessas? Dessas quê?" Perguntei eu com um sorriso amarelo e meio sem reacção, completamente surpreendida pela familiaridade do meu colega logo pela manhã.
"Dessas mulheres que recusam ajuda 'Ah e tal não preciso que homem nenhum faça nada por mim'. É que se alguém me vê de mãos a abanar quem fica mal sou eu", disse ele a sorrir.
"Credo! Não! Que coisa horrível de se dizer!" disse eu num tom mais estridente e nervoso do que queria. "Toma," respondi-lhe passando-lhe a palete, meio assustada com o meu som histérico "não quero que fiques mal visto por minha causa. E bem pelo contrário, agradeço. Só não estou... habituada.", confessei. "Cavalheiros são cada vez mais difíceis de encontrar", justifiquei-me.
"Tens de mudar de companhias, então" E eis que o elevador se abriu no nosso patamar, onde estavam umas 10 pessoas à roda da máquina do café para a 'dose' matinal. "Estás a ver?" Riu-se ele "Olha só a vergonha que eu passava agora."
Ri-me. E continuei a rir-me, dos nervos, até para não ter de dizer mais nada, enquanto ele acartava a palete até à minha secretária. "Obrigada" disse, vermelha até às orelhas. "Sempre às ordens" E lá foi ele para o seu lugar.
Enquanto metia a palete debaixo da secretária, fiquei a pensar quando me tornei 'numa dessas'…
Sim, porque foi ser confrontada com esse facto ainda antes do café matinal que me deixou completamente constrangida.
Que lhe podia ter dito? “Ora que remédio, se tivesse à espera que homem algum fizesse alguma coisa por mim as mobílias da minha casa estavam por montar” ou “Se eu não acartar com as compras para casa, elas não sobem a escadas sozinhas”?
O facto é que os meus amigos e a grande maioria dos meus colegas são cavalheiros. Já há alguns anos que não tenho razões de queixa. Será da idade (deles)? (da minha?) Foi sem segundas intenções que mais do que uma vez me ajudaram a tirar coisas de armários altos, ajudaram a montar equipamentos quando o que tinha pedido era apenas uma chave de fendas, que me ajudaram a levar coisas quando eu venho das salas de reunião a equilibrar papeis, telemóveis, canetas e a Sigg em cima do portátil, de saltos. Que me dão prioridade nas portas e me tiram o café quando estamos na fila na máquina. E haviam de ver a minha cara de parva –sim, de parva! – quando um colega se ofereceu, agarrando acto contínuo a minha mala Sports Billy, para eu vestir o casaco. É d’homem!
Bem, acho que afinal não sou (muito) “uma dessas”… Mas às vezes tenho de ser. Porque, afinal de contas, as compras não sobem as escadas sozinhas.